29 junho 2010

O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...



FERNANDO PESSOA

Vingado

Nesse quarto passa de tudo, só não passa você.
Estou sozinha e cercada por tanto barulho
Será esse outro poema sem futuro?

Sinto que gelo por fora
O som da vida lá fora me incomoda.
O que andará fazendo o meu amor?

Perco-me no vazio da minha mente
Só os carros lá foram me atropelam,
Apelam, apelam, apelo, apelo por você.

Por você? Já nem sei.
Mentira, é certo que compreendo.
Ainda assim, duvidar é romântico, apimenta.
Será preciso mais tempero nessa panela?

De pensar morreu o burro e nasceu o poeta.
Acho que penso demais,
Acho que morri como o burro.
Sim, eis que nasce mais um poema sem futuro.

28 junho 2010

Uma vez...

Mais um dia terminou
Vou dormir sozinha.
Quero tanto você
Quero tanto saber que não te tenho
Que é pra eu deixar esse quarto
De uma vez...

De uma vez por todas...
Mais uma vez como sempre
O dia terminou
Vou dormir sozinha
com você.

18 junho 2010

Amargura

dizem que o inverno chegou

o sol ardente e alegre do verão sempre a incomodou
anda pelas sombras entre amarguras e becos gelados
só pensando na ausência que restou

o corpo adoecendo aquecido pela febre
a boca seca
a alma desidratada
desdenha o amor
saliva que sacia

de tanto desejar
acabou se afogando na solidão
já não quer mais acreditar
no resgate de uma primavera qualquer

Já me disseram que sua maior proeza 
É não deixar marcas na minha vida.
Proeza? Todo mundo acha.
Eu poucas vezes te acho.
Eu sempre me encontro 
E sempre me escuto:
a gente só se encaixa.
Naquela noite resolveu não morrer. Levantou-se da cama e se pôs ali, na imensidão da sua janela, olhando a cidade antiga, as ruas alaranjadas com suas casas coloridas e janelas... Algumas tão escuras e ainda assim tão vivas, cheias de pessoas que ela ainda não conheceu. Algumas dormindo, outras amando, quem sabe? Algumas janelas azuis, outras, musicadas. Ela podia ouvir ao longe uma mulher cantando com viscerais agudos chorosos, harmoniosos. E achou belo! Numa rua passava um rapaz encapuzado. A cidade sentia frio nessa época do ano. Atrás de que o rapaz estava ela nunca saberia. Talvez de alguma diversão, talvez de alguém específico, quem sabe de quatro reais e um abraço. Ela só sabia que pensava na rua, na vida e entendeu que mesmo diante do caos da impossibilidade não poderia deixar de pensar em si. Não matou seus desejos e raivas, nem se quer os colocou para dormir como fizera nos últimos dias... Encarou-os de frente e até achou graça. A bendita beleza perseguida. Naquela noite resolveu viver... Adormeceu sabendo que pensava e deixou de temer. Amanheceu o dia.

15 junho 2010

Amores passados


Engraçado, hoje encontrei nosso cd - uma seleção de músicas que fizemos nos primeiros meses de namoro. Lembra? Tinha até “Eu sei que vou te amar”! Depois disso parece que esqueci como era amar assim... Romântica, leve, inteira. Como é bom saber que fomos felizes, não é? A gente se divertia a beça! É estranho pensar isso, pois, nos últimos anos achei que tivesse azar no amor, e não é bem assim. Amamos até o fim. Talvez você tenha amado um pouco além disso, como a maioria dos meus ex-namorados. Talvez eu tenha a mania incontrolável de esquecer rápido como fui feliz. (silêncio) E as músicas continuam tocando... Eu já me casei, você já se casou... Já até me separei. O segredo para ser feliz com alguém ou sozinho talvez se resuma em “amar não é mesmo tudo”. E o nosso trato continua em pé: quando nos encontrarmos na rua, mesmo acompanhados, vamos nos cumprimentar por aquele apelido só nosso e trocar no olhar o sonho de uma vida inteira que vivemos um dia, no passado. Afinal, eu sei que vou te amar por toda a minha vida, não é?